quarta-feira, 24 de junho de 2020

Foi ontem ... [S. João 2020]


Ontem as ideias eram muitas mas acabei por não rascunhar nenhumas. Perdia-as. Tudo o que surgir é novo.

Tinha planeado no ano passado fazer este ano um périplo S. Joanino, pelas ruas de sempre e os locais do costume, sentar-me em local estratégico e ficar com a almofada carnal que tenho ao fundo das

costas dorida, gelada e sem pinga de sangue de tanto esperar. Mas quando o que se espera vale a pena, tudo o resto são “pinuts” …

No caminho até ver o fogo de S. João, ia passar, à ida e á vinda, pelas pessoas e locais que vão enchendo em crescendo até ao fogo, e depois em continuada folia até Às primeiras fornadas de pão da manhã, já com os “almeidas” de vassoura em riste a fazer desaparecer como por magia o lixo que conspurca o burgo.

Não aconteceu nada disso.

O Porto encheu-se de gentes cumpridoras dos seus deveres cívicos, mais porque temos de sobreviver a isto do que por respeito à autoridade que, como é dos livros de história, não temos receio dela.

Ontem foi dia de jogar o FCP o que, pelo menos durante algum tempo, esvaziou as ruas para a frente das televisões. O Porto ganhou, menos mal, em véspera de S. João.

Ainda assim, e num cenário pandémico em que nos temos de resguardar, empreendi o percurso que tinha delineado, e cumpri em boa parte.

Saí de casa eram 19H30M(!), não sem antes encher o estômago de sardinhas, batatas cozidas, salada de tomate, cebola e pimentos, e broa, alguma. Somos de tradições, e assim como o bacalhau no Natal, e o cabrito na Páscoa (…), parece que só neste dia as coisas nos sabem bem, ou pelo menos melhor. Não bebi mais que água, já que em minha casa agora somos todos abstémios!

Todo o caminho, refira-se, foi feito com o ar carregado do fumo dos grelhadores, de sardinhas e carnes grelhadas, que ocupavam a via pública, com muitos pequenos restaurantes a colocar os grelhadores nos passeios e ruas, e as esplanadas a espraiarem-se para fora do espaço das casas, para os jardim, pátios, e ruas interiores.

Por Bonjóia adiante, contornei o que resta do Estádio Mário Navega e acessos à estação de Campanhã, e embrenhei-me um pouco pela Formiga, subindo até à Rua do Heroísmo. Por lá fora, ao chegar ao Prado atalhei para a Praça da Alegria e dali para S. Lázaro, descendo depois a Rua das Fontaínhas,, atravessei o Bairro Herculano, continuei a descer até Passeio das Fontaínhas, onde procurei o S. João, em vão e encontrei a Carquejeira sozinha, o que é triste já que este é o seu primeiro S. João…

Fui espreitar os bairros abaixo do Passeio das Fontaínhas, e embrenhei-me na Rua do Sol, até aos Guindais, que desci. Cá em baixo conferi a autoridade a mandar circular e a ponte Luís I fechada, em baixo como em cima, quem quisesse atravessar que o fizesse à volta ou de Metro.

Subi as Escadas do Codeçal,  e já lá em cima fui à Sé, espreitar a Rua Escura. Desci à Rua das Aldas, até Santana, Rua dos Mercadores à Praça do Cubo. Encatrafie-me pelas estreitezas do Barredo e Ribeira, onde conferi a multidão, pouca, era mais nos restaurantes.

Pelo cais fora, subi até à Igreja de S. Francisco, e esgueirei-me pela Rua da Arménia, até à Fonte da Colher e, um em parte do Monte dos Judeus. Fui por cima do aterro da Alfândega Nova até ao Infante, e dali até ao Largo de S. Domingos, e Rua das Flores.

Estava muito cansado, e já não fiz mais nenhum ziguezague dos que tinha planeado, e ao chegar a S. Bento meti-me no Metro.

Pelo caminho vi muita gente, em grupos muito pequenos, familiares, espaçados e sempre contentes, a cantar  e a dançar até. Ouvi um martelinho ou dois, mas não levei com nenhum, Vi uns quantos balões mas poucos (até tinha um para lançar, mas não o fiz). Curioso tanto se fala de risco de incêndio provocado pelos balões de S. João e ainda estou à espera da competente e minestrial folha de Excell com a estatiística de quantos balões lançados na noite de S- João foram efectivamente provocar incêndios… Até hoje de manhã vi dois caídos junto à ETAR do Freixo, num no asfalto que se apagou e caiu, e um outro que caiu na berma da estrada no meio da palha seca, e nada ardeu à volta! Os que ardem no ar, nada chega cá abaixo a não ser as cinzas, e os que se apagam lá em cima chegam cá abaixo sem já fazer mal a ninguém… vão dar palha à mula os srs. do Terreiro do Paço!

Por um lado fiquei muito triste com este S. João confinado, mas contente por constatar que conseguimos ser Tripeiros conscientes da gravidade do momento que passamos, em que temos de encontrar força, paciência, e boa vontade de nos refrearmos durante mais um bocado para podermos, como eu disse a uma velhota nas Fontaínhas: lá conseguiremos passar por entre as gotas da chuva.


Bom S. João!

Para o ano vai ser ainda melhor!!!!



As fotos possíveis, do azelha do costume, com algumas legendas…


Bonjóia – estes castiços estavam em força já a desbastar 
o caldo verde, e as sardinhas e os pimentos, ocupando a 
entrada do pequeno bairro ou ilha e uma parte da estrada.

Campanhã – quase a desaparecer as poucas estruturas ainda de pá do 
velho estádio Mário Navega. Ainda lá vi uns poucos de jogos.
Campanhã – quando saí de casa já tinha visto ao longe o véu com 
que o S. João cobriu o Porto, levei com as orvalhadas desde o 
Prado até quando regressei a casa.
Formiga – cruzei-me com este carola, amigo do meu velhote, 
diz que tinha deixado o carro em casa e estava a fazer uma parte 
dos 6000 passos que faz diariamente. Ia a casa de familiares comer 
as sardinhas, ali na Formiga local do seu berço e infância.

Praça da Alegria – algumas das evidências do confinamento 
S. Joanino, varandas engalanadas, algumas estão sempre, 
esta e outras vestiram-se para a ocasião.

S. Lázaro – este estupor, habitualmente muito ariscos e a fugir da gente, 
estava entretido a comer a pouco mais de um passo de mim no passeio. 
Sem grandes gestos , tirei-lhe o retrato.

Fontaínhas – Bairro Herculano (?) – num dia normal, esta rua estava cheia 
de gente, hoje mais comedida, alguns adultos à conversa, e uns catraios a brincar.



Fontaínhas – Bairro Herculano (?) -  nas transversais à rua principal, grupos 
familiares, faziam a habitual patuscada, por entre o ruído das conversas, 
o cheiro dos grelhadores, e a música por lá passei e tirei-lhes o retrato.

Passeio das  Fontaínhas – vim aqui à espera de encontrar o S. João, na sua cascata na 
fonte, mas estava tão vazia a fonte, como o Passeio das Fontaínhas, como vazia de 
companhia estava a Carquejeira. Curioso, alguns pequenos grupos piqueniqueiros, 
animavam o silêncio com as suas conversas enquanto que um repórter fazia a reportagem 
do óbvio. Encontrei vários repórteres, de televisões e jornais e alguns fotógrafos, 
dos bancos de imagens por certo.






Passeio das Fontaínhas – nos magros mas resistentes bairros, nas ruas, nas escadas, nas soleiras das portas, a festa possível de fogareiros acesos, e outros apagados já, e gente sentada à mesa, nos pátios, ruas e em casa, de portas abertas para os vizinhos que metem a cabeça dentro ou fora em conversas do “é assim que vai a vida”, e dos vizinhos que ali adiante estão uns em cima dos outros de grupos familiares com gentes que não são dali, vieram de fora, e fulano que não devia sequer estar ali (foi operado há duas semanas, é de risco, é de risco!...). Fui à conversa com uma velhota sobre isso mesmo, a uma distância física apropriada. Para o ano havemos todos de fazer a festa como merece o santo. Ela foi por o lixo, eu continuei o meu percurso.




Passeio das Fontaínhas -  a prova do "crime"...

Rua do Sol - nesta casa a festa é ... todos os dias!



  Escadas dos Guindais – junto ao Guidalense, alguma festa, parece muita mas 
comedida, de gente à volta da mesa. E o negócio? - Faz-se o que se pode, 
diz o senhor que estava de serviço à grelha.


Escadas dos Guindais -  desço triste perante o vazio. Para o 
ano que vem tenho de repetir o percurso, nem que me 
custe passar no meio das pessoas.



Ponte D. Luís I -  não que fosse preciso mas, a porte estava cortada, em cima 
e em baixo, e estavam a mandar circular os carros, ninguém para, não há 
aglomerados de gente.

Escadas do Codeçal -  alguns grelhadores em acção, uma esplanada a trabalhar, 
e um bocadinho de cada coisa, sardinhas, fêveras, entrecosto.

Escadas do Codeçal -  o silêncio, o vazio, e o manto de nevoeiro dava 
um ar mais triste a todas as coisas.


 Sé – de cá de cima percebe-se o fumo dos grelhadores, cá em baixo um grupo faz da 
rua a sua sala de jantar, e um “almeida” continua o seu trabalho normal, de 
retirar do chão o que alguns porcalhões insistem em fazer.







Rua das Aldas – sentia-se o movimento em casa, as festas comedidas, 
a atenção na televisão entrecortada por um grito de “golo”.


 Pena Ventosa –  duas festas de família aqui, uma outra mais abaixo, davam 
colorido ao cenário cinzento da orvalhada que sentia …



Santana – a festa é nas ruas, mas com respeitinho pelas regras …


Santana – uma rua vazia, um arco ausente, e alguém “perdido” 
que sentada espera o de sempre, onde dormir e o que comer…

 Largo da Ribeira – a esplanada vazia, a autoridade em alertam e um barco que cruza 
com um grupo que janta a bordo …

Barredo – como nos outros lugares, o espaço de casa transpõe-se para a rua, de 
onde se faz, cozinha e sala de jantar. Uma das razões é óbvia, a casa destes 
não fica a cheirar a sardinha, já a minha  não se pode dizer o mesmo … 


Ribeira – talvez o local onde vi mais gente junta, ora a jantar ora sentados 
a olhar para o vazio do céu, ora a passear um pouco, à larga, neste dia.


Ribeira – Chez Lapin -  sempre a trabalhar, mas na esplanada.



Junto à igreja de S. Francisco – mais um núcleo de pessoal que janta nas 
esplanadas ou nos restaurantes…

 Rua da Arménia  - devia ter gravado esta cena, nem que fosse com o telemóvel, para 
memória futura, quando aqui cheguei este grupo cantava e dançava uma marcha 
sobre Miragaia, depois fizeram pose para a fotografia, descalçaram-se e continuaram 
a cantar e dançar.







 Rua das Flores – a subida feita em silêncio até ao Metro …que fraquinho, 
já nem aguento, a idade pesa, …



o percurso total...